A CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado pode votar hoje uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que acaba com a reeleição para presidente, governadores e prefeitos.
O que prevê a PEC
Além do fim da reeleição, o aumento do mandato de quatro para cinco anos também está em pauta. A medida valeria para prefeitos, governadores, presidente, vereadores e deputados estaduais, distritais e federais. Já os senadores teriam o mandato ampliado de oito para dez anos.
Texto também inclui a unificação das eleições para todos os cargos no país a cada cinco anos. A justificativa é simplificar o sistema, reduzir custos e evitar desequilíbrios entre candidatos à reeleição e seus adversários.
A proposta foi apresentada pelo senador Jorge Kajuru (PSB-GO). O relator, senador Marcelo Castro (MDB-PI), foi o responsável por incluir a ampliação dos mandatos e a unificação dos pleitos.
Se aprovada, a mudança entraria em vigor a partir de 2034. Juristas ouvidos pelo UOL alertam para possíveis impactos no funcionamento da Justiça Eleitoral, na lógica partidária e na relação entre o eleitor e o processo democrático.
Se for aprovada na CCJ, a proposta segue para uma comissão especial antes de ir a plenário. Para ser aprovada, uma PEC precisa de apoio de três quintos dos parlamentares em ambas as casas do Congresso Nacional. Isso significa que a proposta precisa do apoio de pelo menos 54 senadores, do total de 81 que compõem a casa, e de no mínimo 308 deputados entre os 513 com assento na Câmara. Estes números precisam ser atingidos em quatro votações: dois turnos na casa que inicia a discussão e outros dois na casa vizinha.
O que dizem especialistas
Para o constitucionalista Antonio Carlos de Freitas Jr., a reeleição tende a favorecer o uso da máquina pública em benefício do candidato que ocupa o cargo. "Essa condição de ser governante e candidato ao mesmo tempo provoca grandes dificuldades e desequilibra o jogo", avalia.
Ele diz acreditar que o fim da reeleição pode fortalecer o sistema democrático. Isso aconteceria, segundo ele, ao estimular a renovação de lideranças e eliminar o desequilíbrio entre quem disputa um cargo e quem já o exerce. Ainda assim, o advogado considera que mandatos de quatro anos são insuficientes para uma boa gestão.
Freitas defende o prazo estendido até 2034 como forma de desarmar tensões políticas imediatas. "Retira a tensão do jogo político e permite que partidos e eleitores se adaptem com mais tranquilidade". Ele também vê vantagens na unificação dos pleitos, como a racionalização das alianças e a simplificação do processo político.
Segundo o especialista, a proposta não fere a Constituição. "Não vejo margem para impugnar essa mudança por juízo de inconstitucionalidade", diz.
Já o advogado Wallyson Soares dos Anjos, especialista em direito eleitoral, faz uma leitura crítica da proposta. Ele argumenta que a concentração de pleitos enfraquece o debate municipal, que tende a ser engolido por disputas de maior escala. "As eleições gerais vão suplantar o debate municipal", diz
Anjos também alerta para o risco de sobrecarga no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). "Na prática, faltam recursos humanos e estrutura logística para processar tantos registros e impugnações ao mesmo tempo", diz. Ele lembra que os prazos curtos previstos na legislação poderiam comprometer a qualidade das decisões judiciais.
Outro ponto de atenção, segundo o especialista, é o impacto do novo modelo sobre os próprios candidatos. Com ciclos mais longos, ele prevê maior dificuldade para que nomes derrotados se mantenham em evidência. "Esse lapso tira o nome da lembrança do eleitor e dificulta sua reinserção no jogo político", avalia.
Além disso, Anjos avalia que a concentração de campanhas pode provocar confusão e desinteresse. "Vai dificultar a compreensão do eleitor e pode até gerar desinteresse", alerta.
Segundo ele, a alteração do calendário fere a ideia de avaliação constante dos mandatos. "Hoje, partidos e candidatos são submetidos à crítica do eleitor a cada dois anos. Com a nova proposta, isso só ocorreria a cada cinco".
Apesar das divergências, os dois especialistas explicam que a proposta exigiria uma profunda reorganização dos partidos. O impacto seria direto na distribuição de recursos, na definição de candidaturas e na estratégia das campanhas
Freitas e Anjos também apontam que a sobrecarga informacional para o eleitor vem mais da quantidade de candidatos do que da de cargos em disputa. O diagnóstico comum reforça, segundo eles, a necessidade de reformar também o sistema proporcional.
Freitas cita a Suécia como exemplo positivo de eleições unificadas. Ele acredita que o Brasil tem estrutura técnica e urna eletrônica avançada o suficiente para adotar o modelo. Anjos, por outro lado, aponta experiências problemáticas em países como México e África do Sul. "Há uma supremacia das eleições gerais sobre as locais, o que esvazia o debate municipal. E o eleitor tende a se afastar diante da confusão", afirma.